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A concepção de educação musical passou por mudanças ao longo do tempo. Da compreensão de que esse termo se referia ao ensino técnico de instrumentos musicais com o fim de formar virtuoses, até a ideia de que somos seres musicais e que todos devem ter acesso à educação musical, foram muitos debates e embates travados. Hoje, caminhamos para um entendimento maior quanto à importância desta área. Entendemos que a música pertence à humanidade, portanto, todos devem ter acesso a ela. Contudo, essa compreensão esbarra no modus operandi que muitas vezes ainda não foi modificado nos vários ambientes de ensino, sejam formais ou não.

Como pesquisadora da educação musical e do desenvolvimento humano na infância e adolescência, tenho me deparado, não poucas vezes, com a concepção, por parte de professores e professoras da infância, de que não é possível propiciar experiências musicais a seus estudantes, pois não são formados em música. Não se enxergam como seres musicais, não estudaram música, logo, não se sentem capazes de organizar experiências sonoras/musicais em seu contexto profissional. Talvez haja aqui uma compreensão equivocada quanto ao termo “música”.

Murray Schafer afirmou que a definição de música mudou nos últimos anos e para provar isso, cita John Cage, para quem “música é sons, sons à nossa volta, quer estejamos dentro ou fora das áreas de concerto – vejam Thoreau”[1]. E ao citar Thoreau, Cage referia-se à obra Walden, na qual este autor ressaltou os sons e as visões da natureza na qual esteve imerso durante um período de sua vida. Se a música é composta por sons variados, se a musicalidade deve ser desenvolvida em todos, por que não promover ambientes nos quais as crianças possam vivenciar experiências sonoras?

Destaco aqui a importância das experiências, evocando algumas concepções da Teoria Histórico-Cultural sobre a educação e o desenvolvimento humano. Para os estudiosos dessa teoria, o desenvolvimento depende das experiências vivenciadas pelas pessoas no meio social na qual estão inseridas, no contato com ferramentas, signos, valores, hábitos, costumes de uma dada sociedade.

Sinara Costa e Suely Mello[2] relembram o conceito de Zaporozhetz, para quem é preciso propiciar atividades práticas para potencializar o desenvolvimento psíquico e cultural das crianças: atividades que permitam que vivenciem experiências com as diversas formas da arte, como desenho, pintura, música, dança, fotografia, cerâmica, dentre outros. O objetivo maior é conhecer e experimentar, para então expressar estas vivências. O fim não é imitar ou apresentar-se para outros, mas que cada criança possa expressar um pouco de si por meio destas atividades[3]. Desta maneira, estas atividades servem à formação humana.

Dito isto, passo à questão das vivências sonoras e sua importância no âmbito desta discussão. Vivemos em um mundo com cada vez mais possibilidades sonoras. No entanto, paradoxalmente, com menos atenção ao ouvir. Rubem Alves, em um texto nomeado “Escutatória” afirmou que “escutar é complicado e sutil”. Estamos sempre mais dispostos a falar do que a ouvir: ao ouvir, na verdade estamos planejando nossa resposta ao interlocutor; logo, não estamos ouvindo. Não ouvimos o outro, não ouvimos os sons que nos cercam, não ouvimos os sons de nosso próprio corpo. Murray Schafer comenta que existem variados sons: alguns crescem, outros decrescem, alguns estão ameaçados de extinção; outros são exóticos para quem não os conhece[4]. Estamos enxergando toda a gama de possibilidades existentes no mundo dos sons?

Há muitos anos, ainda jovem pesquisadora, vivenciei minha primeira experiência sonora consciente. Em um evento acadêmico, participei de uma oficina de educação musical com Patrícia Pederiva, uma das autoras deste livro. Éramos, aproximadamente, 10 adultos. Fizemos um corredor humano. Deveríamos fechar os olhos e imaginar os sons de uma floresta: cada pessoa faria um som. Um por um, passamos pelo corredor humano, ouvindo. Fechei os olhos e imaginei o ambiente natural que conheci quando adolescente, no qual tantas vezes acampei. Que sensação fantástica foi aquela, de fazer parte dos sons da floresta! Essa experiência despertou-me para a importância das vivências sonoras em todas as fases da vida mas, em especial, na infância.

Educação musical na infância: vivências sonoras na escola

R$ 35,00Preço

Daiane Aparecida A. de Oliveira; Patrícia Lima Martins Pederiva
Educação musical na infância: vivências sonoras na escola.

São Carlos: Pedro & João Editores, 2021. 125p.16 x 23 cm.
ISBN: 978-65-5869-484-7 [Impresso]
978-65-5869-485-4 [Digital]
1. Educação musical. 2. Vivências sonoras. 3. Crianças. 4. Infâncias. 5. Teoria Histórico-Cultural. I. Título.
CDD – 370

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